sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SOCIEDADE NÃO AGUENTA MAIS RETÓRICA OFICIAL

Por Boanerges Cezário, Oficial de Justiça

De tempos em tempos, a imprensa noticia e promove discussões sobre conjecturais alterações do artigo 1º da lei 8.072/90, em cujo articulado encontra-se o elenco dos delitos considerados hediondos.
Aprioristicamente, a ideia parece interessante, mas para quem realmente convive com o crime, seja como profissional do Direito ou como habitante dos centros violentos, sabe que tal preocupação legislativa não passa de retórica.
Não se trata de pessimismo, mas sim, necessidade de não mascarar a realidade social amplamente conhecida pela coletividade, qual seja, a inexistência de condições materiais para aplicabilidade das penas atualmente estabelecidas pelo legislador infraconstitucional, em virtude da ausência de um sistema penitenciário apto a alcançar os objetivos traçados pela Ciência Penal.
A OAB e a Imprensa, instituições também preocupadas com a segurança do cidadão, há muito tempo vêm denunciando que as cadeias públicas, colônias agrícolas (isto existe?) e penitenciárias estão superlotadas.
Tais denúncias não são de hoje. Aliás, há mais de 30 anos, tempo em que o ora articulista era menino, já se noticiava pelos quatro cantos sobre a “explosão demográfica carcerária”, não muito alardeada à época, haja vista o regime de exceção reinante nos anos 70 não permitir “más notícias” serem veiculadas pelos meios de comunicação.
Não precisa ser letrado em direito, mas, tão-somente, dominar a arte da leitura para entender que as leis existentes são claras e suficientes para a execução das penas, sendo, por via de consequencia, desnecessária a constante e laboriosa mutação normativa, com o escopo de recriar tipos penais ou agravar penas, sem que haja uma efetiva contrapartida do aparelhamento estatal no que concerne à consecução e cumprimento destas, a fim de suportar a sempre crescente avalanche criminosa.
Em precisa colocação, consignada no suplemento Direito & Justiça, número 165, encartado no Correio Braziliense de 25.07.94, o Desembargador Felipe Augusto de Miranda Rosa, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assim se manifestou:
“A pelo menos quase certeza da punição é o único meio de dar aos castigos previstos no Código Penal o caráter intimidativo que se deseja tenha ele, capaz de reduzir a criminalidade. E ainda assim (...) a agravação das penas, com esse objetivo é simples falácia bem intencionada. Sejamos realistas e práticos”.

É como também frisa o professor Paulo Lúcio Nogueira, no seu livro Leis Especiais, EUD, 1993:
“A nova lei dos crimes hediondos trouxe uma série de inovações na aplicação da pena, mas cabe ao governo construir os presídios de segurança máxima, inclusive com o trabalho para os condenados por estes crimes”. (pág.105)
E mais adiante brilhantemente sentencia:

“Só a certeza da punição, ainda que a pena seja branda e reeducativa, pode alcançar resultados positivos e conter a onda criminosa. A precisão de leis severas só tem servido para deixar os julgadores temerosos de aplicá-las, assim como tornam-se inexequiveis por vários fatores, mormente por não haver locais adequados para o seu cumprimento”. (pág. 121).

No mesmo diapasão se pronuncia o criminalista Luiz Flávio Borges D´Urso, da ACRIMESP (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo), quando em depoimento à imprensa afirmou que “é um grande equívoco acreditar-se que, por meio do aumento da quantidade das penas, se possa diminuir a criminalidade, pois o criminoso não quer saber a pena que o ameaça, mas se, e somente se, será ou não alcançado pela justiça”.
Assertivas críticas deste tipo são lançadas pelos juristas em todos os graus, tanto é que o Ministro Paulo Brossard, quando de sua aposentação, em ofício encaminhado ao presidente daquela corte, também demonstrou sua preocupação explanando o seguinte:

“(...) Ao deixar a judicatura, confesso levar algumas amarguras, como as derivadas do abismo entre as sanções penais e a lamentável estrutura penitenciária, que praticamente as anula; (...)” (Direito & Justiça, 07/11/94).

A nossa Carta Magna já com 22 anos de vigência quando foi promulgada trazia uma esperança que um novo horizonte econômico levaria o Brasil ao paraíso em busca da prosperidade.
Realmente a economia, em números, melhorou, mas os ganhos do indivíduo como cidadão ainda estão longe de atingir um patamar no qual se vislumbre um mínimo de decência para a maioria dos cidadãos.
Há uma premente necessidade de investimentos arrojados na área educacional, na infraestrutura para que as renda seja realmente repartida realmente e não em termos estatísticos, que divide por todos uma falsa riqueza, que na prática está realmente concentrada na mão de poucos brasileiros, cuja marca gira em torno de menos de 1% da população.
O período que atravessamos agora de eleição presidencial poderia servir para reflexão e planejamento para traçar coordenadas preventivas para combate ao crime organizado.
O combate preventivo, e aí só com muito investimento na educação, diminuiria a inserção dos jovens no mundo do crime por falta de oportunidades de trabalho, emprego, formação profissional, lazer.
A raiz do crime organizado está na infância sem atenção, nas escolas desaparelhadas para acolher jovens que ficam na rua, enquanto seus pais saem para trabalhar.
Sem perspectiva, a juventude vai pra rua, vai virar “aviãozinho” do tráfico.
O aparelho estatal só chega depois, querendo criar cadeias, penitenciárias, incrementar a segurança fomentando um ciclo sem fim.
Os países que possuem índice de criminalidade baixa possuem na sua história fortes investimentos na área educacional, que transformam o jovem em um homem, que por sua vez volta a sua mente para os valores humanos e éticos.
Um homem com essa retaguarda educacional terá espírito empreendedor, vai caminhar em busca da felicidade dele, da família e da comunidade em que ele vive e nunca vislumbrará o patrimônio material dos outros. Vai descobrir por fim que através de seu trabalho conquistará seus sonhos.
Na forma atual, a solução encontrada é a edição de leis penais mais severas, a construção de presídios, cadeias, que só são bons mesmos para as empreiteiras e seus donos.

Na esfera processual penal também a mesma aceleração no processo de edição de leis que albergadas na expressão “razoável duração do processo”, buscam pressa para condenar ou absolver.
Não é outro o entendimento do magistrado federal Mário Jambo, falando sobre a as reformas andantes no processo penal, que demonstra preocupação que se alinha nesse sentido quando em fulminante artigo assevera:


“... o legislador, ao tratar de alguns aspectos da sentença, acabou por quebrar o tênue equilíbrio existente entre a celeridade e direito de defesa, no sensível e perigoso terreno do processo penal. (Revista CEJ/RN, V.12, N.14, JUL 2007, Pág.133)


E outro não é o entendimento do também Magistrado João Bosco Medeiros de Sousa, Juiz Federal na Paraíba, que em artigo publicado explica que:

“Muitos juristas experimentados, em geral juízes, dizem que em direito o pior cego é aquele que só vê a lei. Nada mais acertado, porque o dia-a-dia profissional dos julgadores conduz por vezes à sensação de que a lei, fonte primeira do direito, nem sempre está adequada ao ordenamento jurídico como um todo e, mais que isso, à função social do direito.” (Revista CEJ/RN, V.12, N.14, jul 2007, Pág.69)


À luz de todo o exposto, vê-se que a sociedade em geral e seus representantes devem obtemperar que a criação de leis e a corolária “inflação legislativa” não são os caminhos hábeis a serem seguidos no combate à criminalidade e na consecução dos propósitos do Direito Penal, faz-se mister, antes disso, adequar o falido sistema penitenciário brasileiro às exigências da realidade ora exigidas. O ideário penal que pune através da criação de leis por óbvio não funciona, se diferente o fosse, o simples fato de existir uma Lei de Crimes Hediondos seria, por si só, bastante para coibir os delitos por ela regulamentados.

A sociedade não agüenta mais hipocrisia e retórica legislativas advindas do Planalto Central.

domingo, 24 de outubro de 2010

Cortar para não Sangrar

*Boanerges Cezário

Os gestores públicos não podem mais fugir à necessidade de emprestar eficiência ao aparelho estatal.

Como é sabido, em face das necessidades econômicas, de otimização e do uso racional da máquina estatal, é necessário que se planejem novos rumos para que a Administração Pública verdadeiramente trilhe no caminho do pleno desenvolvimento.

Não se concebe desenvolvimento se uma folha de pessoal ultrapassa os limites da razoabilidade, engessando os investimentos em infraestrutura, que alavancam a economia, geram empregos e impostos.

Os administradores precisam fazer o seu “dever de casa”, ou seja, emprestar e exigir mais eficiência dos serviços públicos.

Em matéria publicada no Novo Jornal, do dia 19.10.2010, intitulada “No Limite dos Gastos”, fica bem evidente a necessidade de correções e devidas adequações de despesas de pessoal.

O ponto nevrálgico do relatório do TCE é o crescimento em 90,7% no saldo da dívida ativa em relação a 2008, enquanto que a receita obtida com a sua cobrança foi de apenas 0,14%.

As fazendas estaduais e municipais já possuem as suas varas privativas para cobrança da dívida ativa. O desencadeamento de uma operação conjunta entre as fazendas públicas (federal, estadual e municipal) ensejaria um novo conceito de cobrança, haja vista em muitos casos os devedores serem comuns.

Nesse diapasão, cabe aos gestores revigorarem a execução e a cobrança da dívida ativa, bem como efetivar ações preventivas evitando a inscrição dos valores na dívida ativa. Portanto, muita coisa há de ser feita, que se fôssemos elencar agora, aqui não seria o espaço adequado.

O que interessa no momento seria a efetivação de duas ações básicas:

1) arrecadar melhor com mais eficiência, tendo as secretarias de fazenda e tributação seu papel revigorado, incluindo reaparelhamento e qualificação de pessoal;

2) incrementar a cobrança e execução da dívida ativa de forma mais eficaz, realizando concursos para ampliar o quadro de procuradores e servidores capazes de enfrentar o desafio de apresentar resultados na respectiva cobrança.

Com relação à folha de pessoal, a definição de critérios de planos de capacitação de pessoal é sem dúvida um ponto a ser questionado e cobrado dos gestores.

É para refletir e ter como “case” para estudo como a prefeitura de Ceará-Mirim possuía 400 assessores em cargos comissionados, que foram exonerados. Parece, ali, que os ditames insertos no art. 37 da Carta Magna nunca foram observados. Aquele município é apenas um minúsculo exemplo no mundo da nossa administração pública.

Os municípios parecem ser o extrato onde a conta do descontrole aparece mais evidente, mesmo com todo o aparato legal e fiscalizador que se tem hoje, ou seja, tem gente “escorada” de mais nas tetas da viúva chamada fazenda pública.

Nesses casos, é preciso cortar o excesso de comissionados para não sangrar os cofres públicos. Serviço Público é para observar a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, acima de tudo, eficiência.

Por fim, no Novo Jornal, do dia 24.10.2010, a “Roda Viva” sentencia: “Crise há, sim, grande; mas não há mártires; nem ingênuos”.

* Boanerges Cezário
Servidor Público