Boanerges
Cezário* e Helton Matos**
A fase de execução no processo civil, seja de cumprimento de sentença,
seja de execução de título extrajudicial, é um momento onde o estresse de todos
os envolvidos na trilha processual faz aumentar a temperatura, tendo em vista
as dificuldades econômicas eventualmente enfrentadas por uma ou ambas as
partes, ao mesmo tempo em que é chegada a hora da efetivação propriamente dita
do direito do credor.
Há também aquela situação onde o
exequente começa a vislumbrar sinais de insolvência aparente no quadro
patrimonial do executado, principalmente quando diversos expedientes já foram
usados, tais como a busca de dinheiro em conta bancária, móveis, imóveis dentre
outros e não encontraram respostas à satisfação creditícia ou patrimonial
esperada.
O artigo 866 do CPC busca uma
saída ao final do túnel quando explana:
Se o
executado não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de
difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado, o juiz
poderá ordenar a penhora de percentual de faturamento da empresa (grifo
nosso).¹
Aí começa uma questão quando
diante de um problema jurídico aparece outro, verdadeiro quiproquó jurídico/contábil.
Qual seria? Onde se torna impraticável essa vontade do legislador, que,
inserindo esse artifício no intuito de ajudar complicou o plano executivo em
si?
A princípio, é bom observar o conceito
em si de faturamento, que em suma é:
(...) o valor total das vendas de produtos ou
serviços de uma empresa em um período específico, não considerando os custos. (https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/faturamento/#:~:text=Faturamento%20%C3%A9%20o%20valor%20total,foi%20de%20R%24%2050%20mil.) ²
É também chamado de receita bruta, mas o que importa saber sobre
tal conceito é que compreende o valor total da venda de mercadorias, produtos
ou serviços efetivados pela empresa.
Percebam que o valor do faturamento engloba os tributos
incidentes sobre as vendas, abatimentos e vendas canceladas.
Paulsen (2016)³ nos
lembra que a CFRB/1988 trazia na redação
original do seu art. 195, I, apenas a expressão faturamento, sendo certo que a
EC 20/1998 ao acrescentar a alínea b, incluiu receita ou faturamento, sendo
aquela mais abrangente.
Faz-se necessário esse olhar no campo tributário pois o
legislador processual se valeu de uma noção contábil, já trazida para o mundo
jurídico, qual seja o faturamento, assim como a receita, para de posse de suas
noções, entendermos suas implicações no campo da dita penhora sobre o
faturamento.
Trocando em miúdos, por exemplo, se a penhora for originária da
União, estaria ela se apropriando de parcelas de ICMS, ISS, PIS, COFIS, os dois
primeiros pertencentes ao Estado e Município respectivamente, os dois últimos
já lhe pertencem, pois são tributos recolhidos à União.
Atentemos
que o problema surge aí, pois se a penhora foi sobre o faturamento, atingiu
valores que não estão livres, ou seja, pertencem a outros órgãos fazendários e
são justamente esses valores que ensejariam a intimação dos entes respectivos
para manifestação.
Mesmo raciocínio se a parte exequente for pessoa de direito
privado, que, em tese, estaria se apropriando sobre valores de impostos a
recolher...
Então contabilmente como a entidade irá explicar ao fisco que a
penhora originada do art. 866 do CPC se apropriou de valores pertencentes aos
fiscos federal, estadual e municipal?
Atenten-se, como falamos acima, se a parte exequente for Fazenda
Pública ela estaria se apropriando de valores que lhes pertencem também, já que
na soma da receita bruta total (faturamento) há uma parte de ICMS, ISS, PIS e COFINS,
que já lhes pertencem.
Borinelli e Pimentel 4 observam que ¨(...) o valor da receita
bruta total não é de exclusividade da organização, uma vez que parte dele é
pertencente ao governo(...)”
Abre-se outra pergunta: como os fiscos
receberiam esses valores no caso de penhora não requerida por eles? Penso que
essa partilha só seria realmente concretizada se a intimação dos entes
respectivos fosse efetivada.
A intimação para tal finalidade se mostra
imprescindível dado o interesse público a ser resguardado. Do ponto de vista
processual, a ausência de intimação, não permitindo a partilha supracitada, abre margem para discussão
acerca de nulidade da constrição judicial em comento por falta de intimação dos
entes detentores da competência tributária exemplificada.
Vejamos numa Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) hipotética,
que segue adiante, como ficaria a penhora formatada pelo art. 866 do CPC e como
e onde realmente ela deveria incidir:
DRE
RECEITA
OPERACIONAL BRUTA
Vendas
de Produtos
Vendas de
Mercadorias
Prestação
de Serviços
|
(-)
DEDUÇÕES DA RECEITA BRUTA
Devoluções
de Venda
Abatimentos
Impostos
e Contribuições Incidentes sobre Vendas
|
=
RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA
|
(-)
CUSTOS DAS VENDAS
Custo
dos Produtos Vendidos
Custo
das Mercadorias
Custo
dos Serviços Prestados
|
=
RESULTADO OPERACIONAL BRUTO
|
(-) DESPESAS
OPERACIONAIS
-
Despesas com Vendas
-
Despesas Administrativas
|
(-)
DESPESAS FINANCEIRAS LÍQUIDAS
|
(-)
Receitas Financeiras
|
(-)
Variações Monetárias e Cambiais Ativas
|
OUTRAS
RECEITAS E DESPESAS
|
(-)
Custo da Venda de Bens e Direitos do Ativo Não Circulante
|
= RESULTADO
OPERACIONAL ANTES DO IR E CSLL
|
(-) PROVISÃO
PARA IR E CSLL
|
= LUCRO
LÍQUIDO ANTES DAS PARTICIPAÇÕES
|
(-) PRO
LABORE
|
(=)
RESULTADO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO
|
Em síntese, para a penhora indicada no art. 866 do CPC ser justamente
realizada, sem o imbróglio apontado, sua
incidência só faria sentido se fosse incidente percentual sobre o lucro
líquido, valor que realmente pertence à empresa e a palavra não seria FATURAMENTO
e sim PENHORA SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. É isso
que dá, quando utilizamos termos inapropriados nas leis e demais atos normativos,
sem a precisão jurídica necessária, ensejando dificuldades hermenêuticas na praxis
juridica
E aí, é de se pensar, qual a
soma de valores existentes no mundo jurídico-contábil
penhorados na forma do art. 866/CPC, quando deveriam ter sido penhorados sobre
o lucro líquido?
Que é inequívoca a distinção de ambos os
conceitos , não restam dúvidas.
Enfim, quisemos a partir
de uma breve e singela passagem pelas noções de faturamento e lucro líquido, demonstrar que a partir do texto processual/constitucional, no
âmbito da competência tributária, mais
cautelosa se afigura a constrição judicial de bens do devedor, que deverá
atender simultaneamente aos princípios da patrimonialidade, da menor
onerosidade e da continuidade do empreendimento.
Como você vislumbra isso, nobre leitor?
Oficial de Justiça/Contabilista*
Oficial de Justiça/Bel em Direito**
1 BRASIL, Código de Processo Civil
2 O que é faturamento? Portal da
Indústria <https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/faturamento/#:~:text=Faturamento%20%C3%A9%20o%20valor%20total,foi%20de%20R%24%2050%20mil.> Acesso em: 10 nov. 2023
3 PAULSEN,
Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da
Jurisprudência. 16. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.
4 BORINELLI,
Márcio Luiz; PIMENTEL, Renê Coppe: Contabilidade para gestores, analistas e
outros profissionais, 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas Ltda, 2017
5 BRASIL,
Constituição Federal